A Vila das Lajes vive esta semana, a Festa de Nossa Senhora de Lourdes, ou Semana dos Baleeiros. É a sua grande festa e uma das maiores da Ilha Montanha.
O Programa é extenso e vem sendo cumprido com entusiasmo, dinamismo e regularidade.
A novena solene começou no passado dia 20, com o brilhantismo tradicional e afluência normal dos devotos de Nossa Senhora de Lourdes. E assim, desde que a Veneranda Imagem da Senhora Aparecida aqui chegou em Setembro de 1883, ano em que se iniciou a solenidade. Afinal uma efeméride que está presente no espírito da grande maioria das gentes desta terra.
Monsenhor António Maria Ferreira, grande devoto de Nossa Senhora de Lourdes e o sacerdote que, na Diocese, mais se empenhou pela propagação do culto da Senhora, no seu livro “Perfumes de Lourdes”, publicado em 1892, diz que as Lajes do Pico foi a primeira terra nos Açores, onde Nossa Senhora de Lourdes foi publicamente invocada. E vale a pena referir o acontecimento narrado pelo próprio Autor, embora seja repetição do que em outros anos já escrevi:
Os baleeiros lajenses tinham-se feito ao mar na caça à baleia, depois do sinal do vigia. No regresso, o mar que se tornara tempestuoso, não permitia a entrada no porto, pois a “carreira” estava completamente coberta de enormes vagas. Havia a eminência do perigo, desfazendo as canoas contra as penedias e a morte de muitos baleeiros.
Em terra, junto da entrada do Caneiro, aglomerava-se grande multidão que implorava, em preces sentidas e angustiosas, a protecção do Céu. E então um devoto, erguendo a voz, clama: “Nossa Senhora de Lourdes livrai-os do perigo; Nossa Senhora de Lourdes salvai-os”.E tão intensas foram as preces que a Senhora os escutou. A tempestade serenou, o mar amainou e as canoas puderam entrar a salvo no perigoso porto.
A partir de então, um movimento salutar se iniciou. A devoção à Virgem de Lourdes intensificou-se num surto entusiástico e esplendoroso.
Uma comissão constituída por diversas personalidades lajenses, onde se incluía uma armação baleeira, fez a encomenda de uma Imagem de Nossa Senhora de Lourdes ao escultor Nobre, de Lisboa. É o que nos narra, em escrito da época, o distinto lajense e singular propagandista da devoção à Virgem, então Dr. João Paulino de Azevedo e Castro, ao tempo reitor do seminário que viria a ser pouco depois Bispo de Macau, em cuja cidade introduziu o culto de Nossa Senhora de Lourdes e lhe dedicou uma pequena Igreja, no alto da Pena, que há anos tive o grande prazer de visitar.
Em um dos artigos publicados no jornal angrense, “Peregrino de Lourdes”, da direcção de Mons. Ferreira, em 20 de Julho de 1889, escrevia Dom João Paulino:
“A ornamentação do templo...a música executada pela capela da matriz...a boa execução das cerimónias religiosas...o entusiasmo e piedade dos fiéis...tudo dava aos actos religiosos uma grandeza e majestade nunca dantes ali presenciada pelos filhos da actual geração.
De tarde foi a imagem conduzida pelas ruas da vila atapetada de verdura e de flores, e vistosamente adornada de bandeiras e colchas. Tomaram parte no préstito religioso as irmandades da paróquia, numeroso clero e tudo o que há de mais selecto na sociedade local. Atrás do pálio, sob o qual ia o Santo Lenho, tocava a filarmónica “Lajense”, a primeira banda que houve em toda a ilha e que hoje conta cerca de 25 anos. Depois seguia-se compacta multidão...
"Ao recolher da procissão à matriz, devidamente decorada, “proferiu um brilhante discurso o Revmo Manuel José Lopes, seu actual vigário”... desenvolvendo o tema: “Ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes – o que fez com tal mestria e felicidade que a todos...deixou completamente satisfeitos. Finalizou com um Te Deum”
Tudo isso ocorreu a 30 de Setembro de 1883 mas, nos anos seguintes, a celebração passou a realizar-se no último domingo de Agosto.
E a primeira festa serviu de modelo a todas as outras que vêm realizando há 127 anos, sempre com o mesmo esplendor litúrgico, embora haja sofrida ligeiras modificações adaptadas aos tempos que decorrem.
Não tem faltado o arraial nocturno, durante muitos anos abrilhantado pelas filarmónicas da ilha e do Faial e até, em alguns anos, de S. Jorge. É de realçar o fogo de artifício ou fogo preso que normalmente vinha da ilha Terceira e, nos últimos anos, passou a ser executado por pirotécnicos do Cais do Pico.
Para a pregação, quer do novenário quer da solenidade, eram convidados os oradores sacros mais notáveis destas ilhas, que sempre tinham gosto em colaborar em tão piedosas celebrações. E era um prazer escutá-los, pois produziam peças oratórias de grande valor cultural e religioso. E, naturalmente, isso vai acontecer agora, com grande prazer dos lajenses.
Enquanto estiveram em actividade, eram os baleeiros que, com suas dádivas e promessas, patrocinavam as solenidades, quer religiosas quer externas. Agora é o Município, à semelhança do que vem acontecendo em todas as ilhas do Arquipélago, que toma a iniciativa e a responsabilidade dos festejos, denominados “Semana dos Baleeiros”, porque na realidade de uma semana se trata.
Está pois “em casa” a grande semana dos lajenses. Com ela a Solenidade de Nossa Senhora de Lourdes, realizada com entusiasmo e grande afluência de forasteiros que aqui se deslocam para gozar as festas da última semana de Agosto e ter uns dias de lazer na terra natal ou terra amiga e acolhedora, que é a Vila das Lajes do Pico.
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